Imagem "o que eles pensam"

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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Crônica - Memória De Uma Tarde Azul



Há um lugar no meu coração que visito às vezes, você está quase sempre por lá, junto com algumas canções, longas risadas e pedaços de junho que o tempo não levou. Eu escrevi muitas cartas em pensamento, cada uma tinha um destinatário: um pai que não existiu, um desconhecido que foi chamado erroneamente de amigo ou um amor que virou silêncio. Nenhuma carta tinha endereço. O destino trilhou um rastro de saudade, que eu fui guardando em cada espaço vazio que se formou antes e depois de todas as despedidas. Cada um de nós escolheu uma estrada, que não chegou a lugar algum.

Era um fim de tarde com todos os tons de azuis quando te visitei. Vi-te entre os ipês, de cabeça baixa e cigarro na mão. Não houve explicações ou sentimentos, só foi dito o necessário para lavar a alma.
– É bom te olhar (e me segurar para não cair em seus braços).
– É bom te ver assim, sorrindo (e não sentir aquela intimidade perturbadora).
Você ainda habita meus sonhos, mas eu me contento com o quase nada que tenho de você: lembrar de você se aproximando. Uma foto antiga. Uma mensagem apagada, mas gravada na memória. Sentir saudade e saber que não sente o mesmo.

Todo o âmago que existia entre nós me fez entender que era preciso te deixar partir. Finalmente, eu tinha aceitado nosso quase amor. O quase soava como uma metade, mas tinha doído como um inteiro. Compreendi todas às vezes que fugimos um do outro, porque o amor era grande demais para nossas cucas confusas. Era só outra tarde, que tinha ficado tarde demais. Para te deixar partir, o azul virou cinza. Nunca mais te visitei - nunca mais voltei para dentro de mim.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Atitude - Doce Despedida

 
Fácil é dizer que é difícil se despedir.
Irônico como a maioria das pessoas se desapega com muito mais facilidade de um ente querido que partiu do que de um relacionamento que chegou ao fim. Normal escutarmos coisas como "Foi melhor assim, ele estava sofrendo muito" referindo-se a uma pessoa que não resistiu a morte, mas quando se trata de uma relação desgastada e doente, é inadmissível que alguém queira se despedir. 
O excesso de orgulho e a falta de amor próprio faz com que acreditemos piamente que aquele que partiu, partiu também o nosso coração, quando na verdade, simplesmente nos devolveu-o como quem diz: "obrigado por ter confiado seu coração a mim, eu fiz o que pude, mas agora é com você". Ao invés de aceitar a honesta restituição sem machucar ninguém questionando os motivos que já não importam, insistimos em fazer a lambança final e despedaçar com as próprias mãos esse coração exausto, só para finalmente poder dizer "Viu o que você fez?" feio e soluçando.

Por que é tão difícil acreditar que a pessoa amada simplesmente desistiu? Será que a despedida não seria, na verdade, uma última prova de amor? É aquele derradeiro desfecho da história que nunca teríamos coragem suficiente de finalizar.
Não que eu seja imune ao sentimento da saudade, porque é exatamente isso que dói mais pós fim, mas acredito em vida após o amor. 
O verdadeiro desafio é retomar à rotina singular que tínhamos antes de tomar a decisão, muitas vezes precipitada, de dividir o nosso afeto com uma pessoa que vai passar pelo mesmo processo de abnegação quando tudo terminar.
Tudo que eu aprendi de mais valioso foi ao ser deixado, aliás, quem inventou o termo "ser abandonado" tinha um sério problema de auto estima, já que não há promessa que dure para sempre e não existe nada de errado em separar-se das pessoas. 
Relacionamentos terminam muito mais do que começam, e geralmente, após o período dramático das lamentações, sempre encontramos algo bonito na despedida.

Ainda me lembro da enorme quantidade de coisas que descobri tentando ocupar a cabeça para não sentir a agonia de ter sido deixado, e ainda que não tenha fruído 100% de tudo que experimentei na época, ficou o conhecimento que adquiri em todas as situações. Nas leituras que fiz, lugares que conheci, nas músicas que escutei, nos filmes que assisti e nas drogas que usei.
Se me pedissem para escrever sobre "despedida" há anos atrás, com certeza faria um texto dramático e muito mais parecido com o que as pessoas precisam ler para se identificarem emocionadas. 
Hoje me considero uma versão evoluída de alguém que já sofreu porque achou que era necessário para prender algo novo na época, mas que aprendeu a se despedir sem despedaçar-se. Dizem que reagir com maturidade ao invés de desespero à situações emotivas adversas caracteriza frieza. Mas não existe atitude mais mesquinha e em vão do que espernear diante de alguém que não te deseja. 
A busca pela felicidade pode ser prática porque é um direito pleno de todos os seres humanos que deve ser exercido incondicionalmente. Eu mesmo já me despedi algumas vezes porque sabia que se ficasse estaria privando duas pessoas de serem felizes. 

Existe uma beleza incrível na melancolia de se desligar dignamente das pessoas que escolhem ir embora porque, somente depois que elas se vão, conseguimos retomar o elo perdido com a nossa essência. No relacionamento interpessoal não existem sentimentos não correspondidos. 
O fato é que, sempre estamos sozinhos, mesmo quando estamos acompanhados. Acostumar-se com o que as pessoas chamam de "solidão" nada mais é do que aprender a conviver bem com tudo aquilo que realmente somos, já que os momentos em que somos mais verdadeiros são justamente aqueles em que estamos sozinhos. É o sorriso ao ler a mensagem, o desentendimento de buzinas no trânsito, o choro discreto ao ser injustiçado...
Ser grato ao fim de tudo é como enxergar o contorno do sol atrás das nuvens escuras. É preciso saber o que fazer quando se está sozinho e coexistir no contraste do nosso lado bom com o nosso lado negro. Somente quando nos sentirmos a vontade dentro da própria pele, sem segurar a mão de ninguém, seremos capazes de assimilar as despedidas com menos lágrimas e mais sensatez para que o coração possa finalmente descansar em paz.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Crônica - O Intervalo Entre Um Amor E Outro



Tinto, preciso de mais uma taça de vinho tinto. Em plena quarta, romance de quinta. Debruço-me no parapeito e observo luzes e pessoas em piloto automático. Uns sobem, outros sabem e meu coração na contramão. Pra cima tem cinema, bem ali na esquina, e pra baixo, algum bar, desses que sempre tem algum bêbado triste, com os cotovelos no balcão, com um jeans velho e uma camisa listrada aberta no peito. Seu cabelo é desgrenhado, mas você não liga. Estou enterrado nesse apartamento desde aquele “não”. Sem sua boca, sem poesia, sem banho e com a barba por fazer. Retalhos de um quase eu. Apaguei a claridade com os olhos e enxerguei seu meio sorriso -eu adoro as suas covinhas e sua timidez quando sorri-, parece que eu posso sentir você ao meu lado. Parece. O seu maço de cigarros mentolados, abandonado na escrivaninha, ao lado do abajur cor de sorvete de creme. Minha camiseta de time que você usava para dormir continua com o seu cheiro, sua orquídea na varanda não floriu esse ano, e seus discos continuam na estante com os meus... Tudo está no mesmo lugar, só que com saudade. Tudo ali do mesmo jeito, só que cinza. Desde que você partiu eu sou assim, sou só metade, só saudade. Perdi o tom, o ritmo e minhas cores. Fiquei mo-no-cro-má-ti-co.

Vez ou outra, lembro-me de quando éramos. Você vestida de sorriso e vestido-rosa-clichê. O batom era claro e sempre tinha um enfeite no cabelo. Teve aquela noite que seus olhos borraram, lá pelas duas da manhã, quando te pedi pra ficar. Mas eu pedi pra ficar de verdade, disse que seria seu melhor namorado e que ficaríamos sempre juntos. Você lacrimejou, piscou os olhos com um brilho diferente e a sua voz faltou. Você queria vodka, mas eu disse que teria que ficar bêbada da minha saliva. Você então fez café. O filtro de papel tinha acabado pela manhã e você usou o coador de pano. E foi o meu melhor café. Escolheu um DVD da minha coleção para assistirmos de conchinha durante a madrugada. Tinha ‘500 dias com ela’, mas você preferiu um musical francês. ‘As canções de amor’, com aquele ator que você adora: Louis Garrel. Fumou quase um maço de cigarros aquela noite. Lembro que pela manhã, falou meio dormindo que me amava e eu dei um beijo na sua testa suada e disse que também te amava. Mas você não ouviu, e acho que mesmo que se me ouvisse, talvez não acreditasse.

Eu não sei o nome desse sentimento que sobra quando deixamos de ser, mas eu sei que dói. Eu sei que essa porra de sentimento, mastiga o coração da gente. É quando não existe mais ninguém para apertar suas mãos. Sinto-me morto depois que você fechou a porta e partiu aos berros pelas escadas, aos prantos. O senhor Benjamin, meu vizinho do 513, veio me perguntar no dia seguinte se eu tinha te magoado muito e eu respondi apenas com um olhar triste. Eu não precisei usar nenhuma palavras e ele entendeu direitinho. Sempre soube que aquele velhinho gentil e falastrão era mais inteligente que a maioria dos meus vizinhos. Teve uma vez que ele bateu na minha porta para pegar açúcar emprestado, disse que tinha feito as contas erradas no mercado. Descobri mais tarde que era aniversário da morte da esposa dele, a senhora Dolores, e então, na verdade, o que ele procurava era apenas companhia para tentar não pensar muito nela. Ainda bem que eu fiz o convite para ele entrar, lembro-me que jogamos xadrez a tarde inteira.

Tomo mais uma taça de vinho e observo a chuva, daqui de cima, longe de toda essa gente. É que eu perdi a vontade de encontrar outro sorriso senão o seu. E entre um cigarro e outro, eu espero que minhas lembranças sumam no céu. Fico com o meu silêncio e engarrafo vontades. Mordo a língua numa conversa desajustada comigo mesmo, no meu monólogo, tento te convencer de que sou sua melhor aposta. Aposto que está desperdiçada no sofá, conversando com seus fantasmas, olhando nossas fotos. Deve estar de pijamas, com uma panela de brigadeiro no colo, enquanto assiste uma comédia romântica bem chorona. Sua 3x4 me assombra e desliga o sono, eu tentei queimá-la, mas o palito me acordou quando começou esquentar meu polegar e o indicador. Antes do sol pintar a varanda de vermelho,  resolvo dormir. E você me decepciona mais uma vez quando não aparece nos meus sonhos. Sabe, eu já não sonho com você faz um tempo. Quando sóbrio, pergunto-me quando esse intervalo acabará, dizem que a tristeza é só um intervalo entre um amor e outro, então, eu torço para que o relógio caminhe rápido, torço para que o tempo carregue essas lembranças e tristezas empoeiradas que moram debaixo do tapete, para enfim eu despedir-me de você.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Be Cult - American Horror Story - Coven



Be Cult, é o espaço onde falaremos sobre literatura, cinema, teatro, música, eventos e arte em geral. Acontece esporadicamente aqui no E o que eles pensam? Essa é a nossa maneira de contribuir estrategicamente para inserir mais entretenimento de qualidade no seu dia a dia.

American Horror Story, ou AHS para os mais íntimos, é uma série americana que, se você não conhece, vale muito a pena perder algumas horas no sofá da sua sala e conferir. São várias histórias dentro de uma única série onde a cada ano é contado um caso diferente. Os atores permanecem os mesmos, mas ganham personagens novos a cada temporada; o que torna o seriado mais dinâmico pois não se arrasta vários anos com o mesmo tema. 

A primeira e segunda temporada (Murder House e Asylum, respectivamente) estão disponíveis para venda, a terceira (Coven) foi lançada esse mês e é exibida em canais fechados.

Comecei assistindo a segunda temporada. Um brinde a experiência de Reflexo Condicionado, que faz o cientista russo Ivan Petrovitch Pavlov ser lembrado ao longo dos episódios da segunda temporada. Dominique de Giane, como trilha sonora, remete aos moradores de Instituto Briarcliff, a hora exata do medicamento, e, a cada refrão ao longo do desenrolar da história, ficamos estáticos acompanhando as inocentes-freiras-enfermeiras. Muito horror show, humor ácido, tensão e, eu diria, até que, tudo isso com uma dose extra de perturbação. Logo de início nos prende com uma abertura explícita de horror que chega a incomodar os menos acostumados. O que foi entregue? Um misto de Jogos Mortais e terror dos anos 90, desses que conseguiam te prender pelo que mostravam, com menos sustos e suspense e mais cenas explícitas de terror e sangue. A temporada se arrasta pesada, como se tudo o que acontecesse ali no manicômio, fosse em um verdadeiro inferno, com possibilidades quase nulas de escapar da morte, serial killers, demônios, experiências alienígenas, mutação humana e criminosos loucos, fazem jus ao título da série. 

Em seguida comprei a primeira temporada, logo nos primeiros minutos notei um clima mais ameno, em certas partes até romântico, nos mostra a história de uma família que se muda par uma mansão mal assombrada, onde toda a ação se desenvolve. Segredos guardados e flashback que nos levam aos antigos moradores da casa são constantes e constroem uma teia de tensão ao longo da temporada. O foco da primeira temporada, Murder House, é o sobrenatural e não a carnificina. Particularmente essa temporada me atraiu muito mais. Não que ela seja perfeita, ao longo dos episódios você tem a sensação de que todos irão morrer, inclusive os heróis e as mocinhas e acaba perguntando se sobrará alguém vivo para contar história. Se bem que os mortos fazem isso muito bem nessa temporada. Destaque para o casal depressivo e psicótico, que conquistou os corações dos fãs da série, -inclusive o meu-, Evan Peters e Taissa Farmiga e para uma das âncoras da série, Jéssica Lange, que tem toda a experiência e maturidade de uma grande atriz e nos presenteia com sua excelência. Sem desmerecer o restante do elenco, recheados de personagens singulares e importantes para dar fôlego ao enredo.

 O casal problemático que conquistou fãs na primeira temporada,Taissa Farmiga e Evan Peters, 
estão novamente juntos em Coven.

A série é criada por Ryan Murphy e Brad Falchuck, responsáveis por Glee. Isso mesmo! Reza a lenda que entre um episódio e outro de American Horror Story, ele descansa escrevendo um de Glee. Brincadeiras a parte, existe um roteiro incrível para que tudo ocorra bem: New Orleans como cenário, já é por si só fantástico para uma história de terror; a presença de peso de Kate Bates; a história que se desenrola em três períodos paralelos, o que a torna mais ampla para um leque de possibilidades. O episódio inicial me pareceu um pouco teen. Horror de luxo, bruxas conversando sobre redes sociais, o núcleo principal demasiadamente jovem -o que me irritou um pouco-, a já conhecida jovem problemática em cena, com uma trilha sonora depressiva, narrando os acontecimentos me fez lembrar Crepúsculo, e a escola de bruxos me lembrou muito X Men e Harry Potter. Assumidamente, American Horror Story é a minha série favorita, mas foi justamente por, anteriormente, fugir dos clichês, então, continuo na expectativa de uma mudança para a terceira temporada Coven: que um núcleo adulto possa ser o foco da série, explorem muito Jessica Lange e Kathy Bates! A essência da série agradece, e eu também.


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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Atitude - A Verdade Sobre Os Primeiros Encontros



Antes de mais nada, quando for se preparar para o primeiro encontro é preciso determinar se você é um otimista ou pessimista.

Para os que acreditam em amor a primeira vista é normal ser totalmente positivo e partidário a ideia de que tudo vai certo. Confiar cegamente que a primeira impressão pode, de fato, determinar o rumo dos acontecimentos é uma maneira eficaz de adquirir auto confiança e demonstrar simpatia; E ainda que hajam obstáculos intransponíveis como a distância, diferenças culturais, ou mesmo a total falta de interesse do candidato, nada é impossível quando o amor se manifesta.

Já para os mais céticos, ser pessimista é apenas ser realista. É acreditar que nada vai dar certo mesmo e bater na tecla que não existem surpresas boas porque nada de bom jamais irá surpreender logo de cara. A colocação negativa, na verdade, funciona para evitar mais decepções e protege que o seu representante se exponha ao risco de se deixar enganar.

Depois de 26 anos de tudo que aprendi sobre pessoas, relacionamentos e teorias do amor, ainda não consigo decidir se sou crente ou incrédulo,

A verdade é que não tenho mais paciência para primeiros encontros porque são tantas as agonias e preocupações que se tem ao tentar impressionar o outro que já não há mais espaço para a naturalidade.
O penteado impecável, não pode parecer tão perfeito a ponto de mostrar que foi cuidadosamente moldado, a roupa toda alinhada e especialmente adquirida para a ocasião precisa demonstrar ter sido casualmente escolhida para demonstrar descaso, e as ideias devem ser cuidadosamente apresentadas para não assustar ou impressionar demais.

A conversa que deveria ser descontraída e sincera é superficial e mentirosa para não revelar muito logo de cara. Acho engraçado que o primeiro bate-papo se tornou mais sério que uma entrevista de emprego onde ninguém pode realmente ser o que é, senão perde a oportunidade de ser feliz para sempre.

Ninguém conta que já traiu, não fuma, não come o suficiente e nem faz sexo para não passar a impressão errada, mas não consigo parar de pensar que a pior impressão que se pode passar é justamente de alguém que não faz aquilo que tem vontade porque tem medo da reprovação de um desconhecido. Quando foi que o medo de desagradar se tornou mais significativo do que a autenticidade?

Aprendemos a diminuir o valor da delicadeza ao invés de exibir aquilo que justamente nos motivou a sair de casa dispostos a encontrar alguém que fez a mesma coisa. Os detalhes que não mostramos pela idiotice do jogo da sedução são as particularidades que nos diferenciam de todas as outras pessoas que, de tanto se esconder, já se tornaram invisíveis.

A dedicação demonstra o quanto você se dispõe a sair da zona de conforto e oferecer um pouco do seu tempo para uma pessoa que não tem a obrigação de corresponder expectativa nenhuma. Não existe decepção quando não há esperança, mas se formos céticos demais não saberemos identificar o milagre se ele acontecer.

O primeiro encontro perfeito acontece quando o realismo e o sonho sentam na mesma mesa para trocar ideias. Ser otimista ou pessimista é uma questão pessoal, o que importa mesmo é ser verdadeiro, afinal de contas fica difícil identificar a fraude quando você também é de mentira.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Crônica - Corações Perdidos



Se existia alguma regra sobre primeiro encontro, não conhecíamos nenhuma. Éramos apenas estranhos que se esbarraram por acaso num lugar lotado, de pessoas vazias. Um sorriso, bochechas coradas, uma garrafa de whisky... Estendemos as mãos um para outro como quem pede socorro do passado trágico, do fundo do poço, do inevitável.

Dançamos como se estivéssemos nos telhados de Paris. Tropeçamos um no outro, falamos bobagens e rimos de tudo que não tinha graça. Num breve momento de intimidade, ela me disse tantas verdades. Que só os loucos morrem de amor, mais de uma vez.

Minhas mãos se firmavam em sua cintura, enquanto seu rosto cansado encostava-se em meu peito. Ela se movia delicadamente como num clássico dos anos 40. Contamos nossos sonhos, sonhos tão grandes quanto às tempestades de verão no final da tarde. 

Vez em quando, desviávamos olhares. Eu não queria que ela descobrisse meus medos. Entre um giro e outro, seu cabelo alaranjado prendia-se na minha barba mal feita. Éramos corações perdidos na solidão de um sábado. Nossas bocas então se arrastaram lentamente, uma em busca da outra: revirando sentidos. 

- Me empresta um cigarro? 
- Me leva pra casa? 
- Tira meu vestido. 
- Cuida de mim.

Não dissemos nada disso. Mais cinco minutos e o sol acordaria, voltaríamos para a decadência da nossa realidade. Casacos, bilhetes, números trocados, cada um num táxi para diferentes lados da cidade. Quem sabe, falaríamos de amor no próximo encontro.

Seu batom manchou minha camisa. E meu coração.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Crônica - Corações Inquietos Que Dizem SIM Ao Amor



É o seu cabelo, que de tão macio, faz meus dedos se perderem... E eu faria cafuné brega a noite toda em você, mesmo lá pelas 3 da manhã depois que a cerveja acabasse e eu sentisse aquela vontade gostosa de dormir agarrado ao seu quadril e cheirando sua nuca. É que você se encaixa tão gostoso no meu peito.

Suas pintas cor-de-chocolate nas costas, contrastando com a sua pele. Só você tem três pintas lindas no ombro, e elas são tão iguais e juntinhas, que eu disse ser a Constelação das Três Marias. Você disse sorrindo que não, e me contou que sua mãe disse serem a sua avó, você e ela. Acho que foi assim, não foi? Foi dessa forma que você me disse? É o jeito que você tira seus óculos grandes da mochila quando precisa ler alguma coisa importante, e os guarda novamente, dois minutos mais tarde. Tem também a sua voz, um tanto rouca, um tanto louca e confusa, que me diz coisas que só pessoas que sabem sorrir de bocas arreganhadas e sem pudores diriam. Coisas que, quando falamos, os olhos brilham e que deixamos no fundo, guardadas, por preguiça de mostrá-las para um alguém que não entenderia. Mas eu entendi quando você me disse. E depois você me beijou.

E por cima daqueles lençóis vagabundos, não éramos somente dois corpos sedentos um pelo outro. Estávamos também com nossos corações despidos. Vi o quanto preza pelas pessoas que ama e eu senti uma vontade enorme de fazer parte das coisas que você leva consigo. Quero dizer, fora essas coisas que você leva na sua mochila colegial branca, confesso que fiquei curioso para saber quais seriam os rabiscos escritos na capa do seu caderno de História.

-Eu já sofri pelo Gabriel, ele foi meu primeiro namorado. Foi embora para Amsterdam.
-É bonito.
-O Gabriel?
-Não, quero dizer que Amsterdam é bonito. Eu só vi por foto, mas eu tenho certeza que deve ser incrivelmente bonito; e eu também já fui deixado.
-Vê se não faz igual a todos os outros e não se vá sem motivos ou respostas. Promete pelo menos conversar comigo e não me deixar cheio de pontos de interrogação? É que eu já sei como é se despedaçar e não quero passar por isso novamente.
-E o que você fez?
-Quando eu fiquei aos cacos? Eu tive que aprender a me virar. Tinha a sensação de que o mundo era enorme, cheio de coisas desconhecidas, e eu senti medo da solidão, de não ter quem abraçar.
-São tantos os tontos...
-Que sentem medo quando ficam despedaçados e sozinhos?
-Não. Que tem medo de se entregar. Eu não deixaria você cair no chão novamente, por nada nesse mundo.

Não usaram palavras como especial, diferente ou qualquer coisa do tipo, apesar de terem se reconhecido no instante em que se olharam. Era o primeiro encontro, e não que isso fizesse diferença ou fosse alguma barreira para dar nome às suas emoções, mas era cedo demais para tentar nomeá-las; precisavam mover-se até os ponteiros se acertarem.

Não queriam ser um clichê empilhado de promessas. Ao invés de discutirem fidelidade e ciúme -previsível demais- trataram de levantar logo da cama e foram comer lanche natural com suco de maracujá, de madrugada mesmo, durante uma mordida e outra, planejaram mais “sim” ao invés de “não”, mais sorrisos, mais nudez e mais viagens. Sim à Campos do Jordão, sim às futuras parcerias e sim à forma mais bonita de se prender -sendo livre. Porque você é o meu porto seguro e o tudo o que eu preciso nesse exato momento é dormir com a sua cabeça no meu peito, sentindo seu cheiro.